Lâmpada para os meus pés é tua palavra, e luz para o meu caminho. (Salmo 119:105) Convenção Batista Brasileira
 Pesquisar:
Google






Livros Apócrifos - Parte 1 de 3

Autor: Walter Andrade Campelo

Cânon

"Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra" (II Timóteo 3:16 ACF1).

Desde que o homem iniciou o processo de escrita daquilo que por Deus era ordenado, houve a necessidade de se distinguir entre o que era escrito por inspiração divina e o que era escrito meramente por vontade humana. O Espírito de Deus agia de modo a que a pessoa que estava escrevendo tivesse clara noção de que o que ela escrevia era texto autoritativo, ou seja, que estava falando em nome de Deus, logo o que era escrito, era Palavra de Deus. Da mesma forma aqueles que estavam com esta pessoa, também tinham esta noção, proveniente da mesma origem: O Espírito Santo de Deus.

Ao conjunto dos livros que foram reconhecidos como tendo sido escritos desta forma, damos o nome de cânon bíblico. A palavra cânon é proveniente da palavra grega kanwn, que significa cana, junco, bastão ou vareta. Desta forma significando algo que deve estar reto ou ser mantido reto, e assim algo que mede ou que pode ser medido. O termo veio a ser aplicado às Escrituras, para denotar que elas continham a regra autoritativa de fé e prática, o padrão de doutrina e dever2. Parece ter sido Atanásio (séc. IV) o primeiro a tratar a palavra com este sentido. São, portanto chamados de canônicos os livros que foram inspirados por Deus, os quais compõem as Escrituras Sagradas.

Apócrifo

A palavra "apócrifo" tem origem na palavra grega apokrufov que significa, segundo o léxico de Liddell e Scott, algo "escondido", "secreto", "obscuro", "de difícil compreensão", e é aplicada a textos que têm sua autenticidade incerta ou a escritos cuja autoria é desconhecida ou questionada.

Tanto na teologia judaica quando na cristã, o termo "apócrifo" se refere a qualquer porção de texto pretensamente escriturística, mas que não correspondendo à regra estabelecida para a determinação de um livro como canônico, ficou fora do cânon oficial, sendo considerada, portanto, como um texto cujo conteúdo é espúrio ou falseado, não devendo ser levado em consideração na formação de quaisquer ensinos doutrinários, ou no estabelecimento de quaisquer práticas eclesiásticas.

Uso atual dos apócrifos

Mesmo havendo, em geral, um consenso sobre este assunto entre o povo de Deus, desde tempos remotos, a sociedade em geral não tem este conceito plenamente solidificado, ou claramente compreendido, como conseqüência disto sempre houve escritos seculares que tentam tratar os livros apócrifos como tendo o mesmo grau de autoridade que um texto canônico, ou como tendo ainda maior autoridade, ocorrência esta que tem crescido em quantidade e em vigor nos últimos tempos, como acontece, por exemplo, com o livro (e filme) intitulado "O Código DaVinci" de Dan Brown, o qual baseia muito de sua argumentação em textos apócrifos.

E pior, criou-se, por força do grande misticismo pós-moderno, uma "corrida" aos apócrifos (inclusive por alguns estudiosos cristãos). São pessoas que equivocadamente supõem haver nos livros apócrifos alguma nova "revelação" ou "informação pertinente". Contudo, esta busca é algo extremamente perigoso, uma vez que confiar em informações prestadas por um livro que desde os primórdios do cristianismo foi considerado como sendo falso e espúrio é, para dizer pouco, um ato de grande insensatez. Quem confia no que diz uma testemunha que, sabidamente, ao longo do tempo tem mentido e enganado? Ela pode em algum momento até dizer uma verdade, mas como saber? Como se ter certeza? Lembremo-nos da fábula do menino e do lobo! Em verdade, não é possível ter-se confiança naquilo que diz um livro apócrifo. Sua leitura pode, até certo ponto (DIANTE DE EXTREMA CAUTELA), ser ilustrativa em alguns aspectos, mas, nunca deve ser tomada como tendo autoridade, ou verdade reservada, ou revelação. Deve-se ter absoluto cuidado para não se ter a fé abalada por quaisquer informações encontradas nestes livros. Muitos deles foram escritos exatamente com este objetivo em mente, qual seja, enfraquecer ou abalar a fé dos leitores na Santa Palavra de Deus.

A questão da Septuaginta

A Septuaginta é uma tradução de alguns livros do hebraico para o grego. Foram traduzidos todos os livros canônicos da Bíblia hebraica, entretanto, com grandes diferenças em relação ao texto aceito por judeus e cristãos como canônico. Também estão traduzidos vários outros livros espúrios, ou apócrifos. A tradução da Septuaginta está envolta em lendas, entre as quais a mais famosa é a de que foi escrita por 72 sábios eruditos judeus (?), sendo 6 de cada tribo de Israel (?). Segundo a lenda ela teria sido escrita para compor o rol de livros da biblioteca de Alexandria, um populoso centro urbano, que à época (segundo ou terceiro século antes de Cristo, segundo esta mesma lenda), já era o centro mundial da intelectualidade helenística e pagã.

A esta tradução, que supostamente foi terminada ainda durante o reinado do macedônio Ptolomeu II Philadelphus (de 281 a.C. a 246 a.C.) foi dado o título de LXX3, em algarismos romanos (?), significando o número setenta.4 É importante notar que não há qualquer confirmação para esta lenda, a qual se baseia em um único documento chamado "Carta de Aristeas", documento este que está crivado de dados claramente fictícios e mitológicos, o que faz com que este escrito também conste da lista de livros apócrifos do Antigo Testamento.

Não há qualquer registro de um documento bíblico em grego, como tendo sido escrito em 250 a.C. Bem como, não há qualquer registro na história judaica de que tal esforço de tantos eruditos hebreus, que tivessem à época também conhecimento pleno do grego, e que tivessem se deslocado para Alexandria de modo a realizar tão grande tarefa. Algo assim teria sido, com certeza, digno de nota. Lembrando também que as dez tribos do norte estavam (como hoje ainda estão) perdidas, sem que se possa discernir sequer onde cada uma está, quanto mais selecionar-se 6 eruditos de cada uma delas, que conhecessem profundamente o hebraico e também o grego!

Os defensores desta lenda, quando pressionados a mostrar provas concretas de sua veracidade, apontam para a Hexapla de Orígenes (do 3º século depois de Cristo), contudo, deste trabalho pouco resta para se analisar, e entendendo-se a quinta coluna desta obra como sendo o texto original da Septuaginta veríamos vários livros apócrifos incluídos, livros estes que se tivessem sido traduzidos pelos supostos 72 sábios hebreus, o teriam sido antes mesmo de serem escritos, pois a data destes livros é claramente posterior à suposta tradução dos setenta. Pode-se concluir que se a quinta coluna realmente segue os manuscritos da Septuaginta, então ou ela foi uma tradução realizada pelo próprio Orígenes ou é de qualquer forma um trabalho posterior à alegada data da tradução da LXX.

Eusébio e Filo afirmaram que apenas o Pentateuco em grego existia à época de Jesus, e não todo o Antigo Testamento. Na verdade, encontramos hoje somente o papiro de Ryland # 458 contendo os capítulos de 23 a 28 de Deuteronômio. Mas, como este papiro é datado de 150 a.C. podemos concluir que provavelmente havia razão para que Eusébio e Filo afirmassem a existência do Pentateuco em grego à época de Jesus. Entretanto, mesmo sendo este o caso, como parece ser, dificilmente tal documento teria qualquer influência fora do seu habitat, ou seja, Alexandria e outras localidades onde o grego era a língua dominante, e teria menos influência ainda, ou melhor, não encontraria qualquer guarida, em Israel, junto a fariseus e zelotes que lutavam com todas as forças para manter sua religião e suas tradições intocadas. Este argumento é reforçado pelos achados de Qumram, a partir dos quais se conclui que o hebraico era língua conhecida e corrente à época do Senhor Jesus Cristo. Seja como for, as evidências de uma completa LXX existente e em uso à época de Jesus Cristo, são poucas e não conclusivas.

O mais provável é que uma tradução de todo o Antigo Testamento (ou uma revisão de um texto já existente??) do hebraico para o grego tenha sido concluída posteriormente (no decorrer do segundo século), usando inclusive como base o texto de passagens do Novo Testamento em grego para completar e facilitar a tradução dos versos do Antigo Testamento citados pelo Novo Testamento.

Nós podemos ver este fato claramente ilustrado no caso de Romanos 3:10-18, onde:

Na Septuaginta, os versos de Romanos 3:13-18 estão anexados ao final do verso 3 do Salmo 14 (acrescentando ao seu conteúdo original), e em seqüência, verso a verso, palavra por palavra, tal qual foram citados pelo apóstolo Paulo em Romanos. Neste exemplo podemos perceber com clareza que não é o Novo Testamento que cita a Septuaginta, mas sim, é a Septuaginta que cita o Novo Testamento, até porque não há um só manuscrito em hebraico que traga uma leitura sequer semelhante à da Septuaginta no Salmo 14:3, nem tampouco se encontra esta leitura em traduções antigas da Palavra de Deus como a Peshitta (antiga tradução para o siríaco).

Jerônimo, após ter comparado os manuscritos da Septuaginta com manuscritos em hebraico, afirma:

"Seria tedioso agora enumerar, as muitas adições e omissões que a Septuaginta fez, e todas as passagens que nas cópias das igrejas estão marcadas com cruzes e asteriscos [N.T.: símbolos que indicavam palavras que apareciam no grego e não no hebraico e vice-versa]. Os judeus geralmente riem quando ouvem nossa versão desta passagem de Isaías: 'Bendito é aquele que tem sementes em Sião e servos em Jerusalém [Isaías 31:9].' Em Amós também ... Mas como nós devemos lidar com os originais em Hebraico nos quais estas passagens e outras como estas estão omitidas, passagens tão numerosas que reproduzi-las irá requerer livros sem conta?" - [Carta LVII de Jerônimo].

Diante de todos os fatos, é possível afirmar, com boa dose de certeza, que a Septuaginta é um texto posterior (com exceção feita ao Pentateuco), e é, em geral, não confiável, e que assim o foi desde o princípio. Não devendo, portanto, em momento algum, ser tomada como autoridade escriturística.

Livros Deuterocanônicos

O termo deuterocanônico foi primeiramente usado por Sixto de Siena em 1566, para descrever textos do Antigo Testamento, antes considerados apócrifos, mas que a igreja católica romana havia canonizado durante o Concílio de Trento (que ocorreu entre 13/dez/1545 e 04/dez/1563), colocando-os em uma segunda lista de canonização. Este fato lhes dá o nome: deuterocanônicos (segundo cânon). Estas porções de texto foram incluídas juntamente com os textos sagrados, sendo que a igreja católica romana não faz qualquer distinção entre os textos apócrifos (agora deuterocanônicos) e os textos verdadeiramente canônicos. Os escritos que se enquadram neste cânon secundário são: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, I e II Macabeus, e partes de Daniel e de Ester. Há que se destacar que os textos deuterocanônicos não são aceitos como canônicos nem pelos judeus, nem pelos protestantes.

Livros "Anagignoskomena"

A Septuaginta (tratada acima), cujo exemplar mais antigo data do século IV d.C. contém vários livros que não estão presentes na Bíblia hebraica. Estes livros apesar de serem apócrifos na correta acepção da palavra, são chamados de "anagignoskomena" por serem livros "reconhecidos" ou "publicados" (neste caso pela Septuaginta), mesmo que isto seja um contraditório com o fato de serem apócrifos, ou seja, de serem livros não reconhecidos pelo povo de Deus sob a ação do Espírito Santo.

Livros Pseudo-epígrafes (ou pseudepígrafes)

Tecnicamente um livro pseudo-epígrafe é um texto em estilo bíblico que se atribui um autor que não o escreveu. Há um outro uso para a palavra (apesar de não ser completamente preciso), onde se atribui o título de pseudo-epígrafe a livros apócrifos que não fazem parte de nenhuma impressão da Bíblia, opondo-se deste modo aos apócrifos que foram considerados como deuterocanônicos ou "anagignoskomena".


Continuação: Livros Apócrifos - Parte 2 de 3